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sábado, 31 de agosto de 2013

O IDHM e a água - Por Roberto Malvezzi (Gogó)*


O olhar sudestino sobre o semiárido costuma dizer que aqui nada muda e que hoje a nossa realidade ainda é a mesma denunciada por Graciliano Ramos em sua obra prima Vidas Secas .

Agora, com a publicação dos índices de desenvolvimento humano, recentemente lançados, temos estatísticas para confirmar o que vemos a olho nu aqui nos últimos trinta anos. A vida do povo melhorou, se não é o paraíso, ao menos já não temos a intensa mortalidade humana, sobretudo infantil, das décadas de 70 e 80, quando ainda morreram milhões de pessoas de fome e de sede naquela longa estiagem.

Esses indicadores não flagram esses anos de estiagem, logo precisamos esperar por esses dados, mas é visto a olho nu e pelas conversas diretas com a população em seus locais de vida que agora já não se repete a tragédia social das estiagens anteriores.

Também sou daqueles que acham necessários mais indicadores para realmente avaliar se a situação das pessoas é mais humana. Esses indicadores deveriam incluir o saneamento e a degradação ambiental. Com esses dois indicadores nossos índices com certeza despencariam do nível que chegamos para médio e baixo num simples clicar de mouse.

Descendo às nossas cidades, como aqui em Juazeiro, com o lixo pelas ruas, esgoto a céu aberto nas periferias, mosquitos cobrindo a população, o IDHM chegou a 0,677. Campo Alegre de Lurdes, onde cheguei para morar em 1980 e vi criança morrendo de inanição na seca de 82 como formiga em bico de passarinho, o índice agora é de 0,577.

Lá até hoje não tem sistema de abastecimento de água urbana e cada família tem que se virar com sua água. Mas, agora tem as cisternas. Finalmente foi licitada a adutora para levar água do São Francisco para Campo Alegre.

Mas, não podemos negar os avanços. Afinal, se a longevidade dos brasileiros aumentou, é porque as condições básicas da vida melhoraram. Sou daqueles que nas pastorais sociais e movimentos sociais acabam apanhando por achar que essas conquistas, por muitos tidas como insignificantes porque não fizemos a revolução , não tem valor. Vá perguntar ao povo que colheu esses avanços no seu cotidiano se elas não lhe são importantes!

Uma observação particular sobre o semiárido. Nessa longa estiagem não tivemos o aumento da mortalidade humana e nem infantil. O caso mais grave aconteceu em Alagoas, quando várias pessoas passaram mal parece que algumas faleceram por razões de água contaminada. Mas, foi um problema dos pipas, portanto, questão de vigilância sanitária. Não mais porque simplesmente não havia água na região. Nosso problema nessa longa estiagem é a mortalidade dos animais, não mais de seres humanos.

O governo ainda nos deve a distribuição da água pelas adutoras. Embora tenha feito algumas, preferiu a idiotice de investir na transposição. Gastou dinheiro inútil e não avançou. Mas, há sempre tempo para recomeçar.

Bem, muitos criticam nossas ações na lógica da convivência com semiárido dizendo que ela não foi a resposta para esses longos períodos de pouca chuva. De fato, não conseguimos ainda universalizar essas tecnologias cisternas de beber, de produzir, barreiros de trincheira, barragens subterrâneas, etc. -, mas e ela que está na base da melhora do IDHM do semiárido.

Claro que também as políticas de distribuição de renda, até o Luz para Todos, transporte, saúde e educação ajudam. Mas, se faltar a água de qualidade e o alimento, não tem índice de longevidade que não imploda.

Esperamos que o governo continue investindo sério na lógica da convivência com o semiárido. Estamos longe de universalizar o acesso à água, mas melhoramos, e muito. Esperamos também que o olhar sudestino deixe de tentar inviabilizar os caminhos que os nordestinos vão traçando.

Fotografar um rio seco, uma lagoa seca e dizer que isso é uma tragédia, é típico de quem nem sabe o que é o semiárido. Saibam que todos os anos temos uma seca, 99% dos rios do semiárido são intermitentes, a água dos reservatórios rasos secam todos os anos. Questão de beabá da região.

*Roberto Malvezzi (Gogó) possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais e é integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do São Francisco.

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